quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Os tesouros da Dona Aldina


Para os lados da casa de Fados Luso, existe a Mercearia do Sr. António, a mais antiga do bairro, garante uma freguesa.
Nesse local e à vista de todos, encontra-se muitas vezes um dos tesouros mais bem guardados de Lisboa, a Dona Aldina. Alfacinha de gema, vive há 78 anos no Bairro Alto (quase tantos como os que tem de existência). O olhar humedecido transmite uma alegria infantil, e o rosto uma personalidade calorosa e comunicativa. Com a voz alegre e contagiante, conta histórias que nos transportam para o passado do bairro, da cidade e do país. Ficando-se com a sensação que olhamos a história nos olhos e lhe escutamos a voz.

Começa por relatar-nos momentos do presente, em que o bairro já não é como foi, muito barulhento e sujo devido aos bares que se multiplicaram como copos. A tristeza pelas vizinhas, que quase desapareceram. O gosto de ir à mercearia, falar com as pessoas que a frequentam. Ao passar este momento inicial, e ganhando mais confiança começa a abrir o baú da memória. Pequenos fragmentos de luz da história do bairro saem lentamente: as varinas, as prostitutas e os marujos, os talhos, as famílias, as escolas, as tavernas, as crianças e os boémios. Até que subitamente, e devido ao Grémio Lusitano, surge uma revelação mágica.
Os seus bisavós tinham uma taverna, na Rua Luz Soriano número 19, que era frequentada por poetas, pintores, escritores e até pelo próprio Rei D.Carlos e pelo príncipe herdeiro. Como muitas vezes o destino gosta de pregar partidas, um dos filhos do casal, o mais velho, na mocidade fora maçon. E na sua casa fizeram-se reuniões secretas de maçonaria, onde os presentes se encontravam sempre de cara tapada, de modo a esconder a identidade. Em certo momento, foi-lhe oferecida a “honra” de assassinar o rei, acabando por recusar a proposta.
O seu interlocutor manifestava uma expressão de enorme surpresa, só pensado na sorte e fortuna, de ouvir ao vivo um relato tão singular. Com o melhor dos modos, acabou por ajudá-la a transportar as compras para casa, e decidiu passar pela Rua Luz Soriano.
O que viu, deixou-lhe a certeza que o tempo tudo transforma, e se não forem as pessoas a contar muitas vezes as histórias das pedras, não serão estas a contar-nos a história dos homens.



1 comentário:

MaB disse...

Volto a invejar a sorte que tiveste em poder descobrir uma pessoa assim...
E sim, muitas vezes há muitas, tantas histórias para contar...é preciso procurar, ter sorte e saber ouvir. O resto chama-se sensibilidade. Para compreender, interpretar e escrever.
Há estórias que merecem ser contadas! Sorte haver gente com 'ciência' suficiente para passar da palavra dita à palavra escrita! Para que as estórias não se apaguem e não desapareçam!

Parabéns! Boa leitura, esta!