sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Pequenas crónicas de Barcelona


Alquimia da Cozinha


Qualquer pessoa que goste de culinária é um apaixonado pelos aromas e sabores. Primeiro deve conhecer os ingredientes “puros”: a frescura dos vegetais, das frutas, dos peixes e moluscos; a textura, cor e gordura das carnes; o sabor das especiarias; o discernimento na escolha de produtos de qualidade. Com todos os elementos ao seu dispor, tudo é uma questão de química e de experiência, bom senso na protecção de antigas tradições e inovação na criação.
A cozinha transforma-se assim num estúdio criativo, num laboratório onde cozinheiro é um mago, um alquimista que depois depois de conhecer todos os elementos, os molda e os trabalha com a química. O verdadeiro mestre do tempo e do espaço, criador da magia de libertar sensações .


Tavernas e Bares Trendy


Cidade de contrastes. Bares trendy e sofisticados coexistem lado-a-lado com velhas tavernas, que ainda guardam no seu interior antigas tradições.
Desde a champanharia com as suas “cavas”, os presuntos e o bacon no tecto, os longos balcões de madeira e mármore, e as pessoas, inundações de pessoas. Passando pelo El Rabipelao, um bar de cento e sessenta anos em que se pode ver o passado, o presente e o futuro num copo de rum, limão, hortelã e gelo derretido e podem surgir mãos mais leves nos bengaleiros. O Ovelha Negra, cuja entrada se assemelha a masmorras da Idade Média, mas onde no seu interior fervilha a vida de multidões em enorme mesas e bancos corridos, regadas por jarros de cerveja e sangria. A taverna dos espelhos baços, cheia de fumo e cujo interior abriga um templo de absinto, na zona de El Raval e uma pizzaria com o interior graffitado, com uma escolha infindável de combinações de ingredientes e cervejas médias.
Todos espaços vibrantes, pulsantes e pujantes, perfeitos para uma refeição animada, ou beber um copo rodeado de amigos e desconhecidos, no coração da cidade.

Quando o Banco é Casa

Dirigia-se para um MB, precisava de levantar dinheiro para pagar as dívidas que vinha a acumular nos últimos dias. De passagem pela entrada do banco, notou que no interior estava um mendigo deitado, quem sabe para se proteger do frio. Na rua pessoas faziam filas para a única caixa disponível, mas ele não conseguia libertar a mente daquela imagem: o mendigo, deitado no chão com as suas roupas esfarrapadas, com um cobertor e uma garrafa de vinho como companheiros e em que o calor do ar condicionado lhe dava mais conforto, naquela noite de Outono.
Pensava se algum dia teria que dormir em local semelhante, imaginava-se como um ser livre e sem posses, não necessariamente um mendigo ou um ser mal-tratado pela vida. Apenas alguém a quem os meios materiais deixaram de interessar, subjugados por algo maior, mais puro, mais difícil de concretizar e atingir: a liberdade total, a libertação do peso do mundo e o movimento do vento.


Skates e MACBA

A fachada de vidro, metal e branco surgia à sua frente. Para trás uma sucessão de ruas relativamente estreitas, onde a luz do astro maior não conseguia chegar, não faziam esperar o desembocar naquele espaço amplo, harmonioso e luminoso. Templo onde o skate e cultura conviviam lado a lado como irmãos.
Pum! Pum! Schrrrrrrr! Eram os sons mais ouvidos, o som do impacto das tábuas a bater no solo, o som das rodas a deslizar sobre a superfície rugosa. O movimento era incessante, desde manhã à noite aquele espaço respirava movimento, pulsava energia. A concentração de pessoas que andavam de skate, ou simplesmente se juntavam em grupos a beber cervejas ou a fumar uns charros e a conversar, transmitia um ambiente livre de preconceitos. Tudo isto lado a lado com um museu de arte contemporânea faziam daquele local, a fusão perfeita entre a cultura transmitida pela arte e a cultura transmitida pelo movimento urbano.



Magia: Erasmus

Mudam-se as coordenadas da vida: país, língua, cultura por um período mínimo de seis meses.
Abrem-se novas experiências, alargam-se horizontes, uma nova visão é despertada.
Goza-se de um conhecimento mais vasto, de uma transmissão cultural, de um alargar da esfera pessoal.
Infinito espaço de confrontação de ideias ou ideologias. A flexibilidade e capacidade de adaptação ocorrem naturalmente.
As argumentações sucedem-se, o debate cria uma opinião mais sólida, mais tolerante, mais abragente.
Estreitam-se laços com pessoas de diferentes nacionalidades, origens, pontos de vista.
Riso e alegria, boas sensações e vibrações.
A bola de neve cresce progressivamente e cria um efeito maior, uma vida maior.
Surgem por vezes saudades da família, dos amigos, da língua, do país.
Musicalidades urbanas invadem os sentidos, tornam-nos ébrios e loucos.
Um mundo dentro do Mundo: oportunidades, amizades, sonhos e ilusões.
Sentimentos florescem, morrem, multiplicam-se ao ritmo da vida que segue o seu curso.


Destino: Aeroporto

Sete da manhã, em plena avenida de Roma, tentava apanhar um táxi para o aeroporto. Pensamentos soltos surgiam e desapareciam no mesmo ritmo inconstante, porém um ténue fio ligava-os e dava-lhes sentido. Esse fio era o nome do destino, o Aeroporto.
No imaginário surgiam imagens desse espaço, um local de partidas, chegadas e permanências. Fragmentos de trabalho, férias, prazer, tédio, alegria e infelicidade, sorte ou azar. Diferentes pessoas, diferentes destinos. A cada face, a cada olhar, maneirismos e indumentárias, uma tentativa de perceber qual o papel que representavam no palco principal.
Aeroportos, terminais de autocarros, portos e estações de comboio são espaços onde se cruzam todos os sonhos, todas as profissões, todas as vidas. Porém a percentagem mais elevada de sonho está ligada à rapidez de saltar de cidade em cidade, país em país, continente em continente.
Por outras palavras, a rapidez que o aeroporto oferece num mundo cada vez mais imediato e veloz, nem que seja por um período fugaz. Mudar a latitude e a longitude, com o objectivo de alterar as coordenadas da vida.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

A Casa Mágica

A alma do mundo está onde os olhos a encontram. Manhã de Novembro, sete e quinze no alto do Sol nascente, na casa mágica do Sol nascente. É uma casa no coração do Alentejo profundo, nela coexistem todos os sons vivos do Universo: pardais, cigarras, cucos, ovelhas, cães, bois e bichos. São desígnios da paz que ali mora.
A casa está cheia de magia, decorada por pedras e árvores no colo das montanhas espanholas que a namoram há milhões de anos. Quando chega a esta casa percorre mil vezes os seus contornos, mergulha na sua beleza, vê-a, ouve-a e ama-a. Quere-la para si, num tempo sem horas, fica. Quer saciar-se dela. Silenciosa e pacificada, sorve-la com paixão ardente de desejo e tristeza porque não a pode possuir.

(22-11-2008)

Era uma casa secular erigida na terra, entre montes e ravinas. Respirava harmonia. Todos os dias se lava de seiva, a sua força milenar renova-a todos os dias. Nela habitam vida e morte, mas isso não a perturba. Ela é essência que se deixa habitar e nessa posse ela é renovada, todos os dias. Por isso ela é feliz, no dar que recebe, na partilha que se expande e na benevolência que transforma. Todos passam, só ela permanece.

(25-11-2008)

Autora:AM

O silêncio só de ontem

Entrou devagarinho, como quem não pode despertar os mestres. À sua recepção, silêncio, doçura e muito pó, tanto que tapava todas as superfícies visíveis. Mas o seu ego não contestou, recriminou ou mal disse.
Nessa casa antiga, todas as banalidades são para respeitar. Começou a varrer aberta ao sujo, que naquele lugar não era sujo. Era simplesmente pó. Muito pó. A sua ausência de muitos tempos, que lhe dava as boas vindas. Sorriu, agradeceu e sentiu-se na sua verdadeira casa, a casa da ausência.
Viu e tocou nas bolotas secas, achou-as lindas mas tristes. Olhou os ramos de azeitonas mirradas e as romãs empedernidas. Remirou os vestígios e tudo o que viu disse-lhe sim. Que eram como ela, diferentes do que tinham sido, mas eram os mesmos, só que transformados e resistentes.
Começou a varrer, mas penalizada por ir destruir aquelas miragens que tinham crescido para ela e que a saudaram com total devoção quando chegou. Eram as suas ramificações. Ao limpar a casa pediu desculpa por destruir as suas roupagens e os seus corpos. Afinal era uma intrusa naquele lugar de bichos, mas não sentiu raiva nem desânimo, ou desespero naquela casa que tanto amava mas onde o lixo se tirava com a pá.
Estava pacificada e limpava com amor e alegria, naquela sexta feira de solidão a mulher perguntava.
- O que tinha aquela casa, que tanto lhe dava?
Perguntou à lua que espreitava, mas a lua não disse nada. Perguntou à aragem e a resposta? Talvez paz!? Sim a casa tinha paz.
A mulher limpava e quanto mais limpava, mais bonita a casa ficava. Era noite tardia e veio um gato sondar…lavou e limpou. Agora a casa sorria e estava de novo jovem e bela.

Autora: AM