sexta-feira, 25 de julho de 2008

Todo-o- Mundo


Por vezes palavras fora do contexto global podem tornar-se “perigosas”, quantas vezes não ouvimos a classe política (por exemplo) queixar-se dos jornalistas que tiraram as célebres palavras do contexto, criando assim diferentes interpretações para as mesmas palavras!? Em última análise palavras são sempre palavras, a maneira como se lêem e interpretam variam de pessoa para pessoa, de estado de espírito para estado de espírito, crenças para crenças, valores para valores...
Como tal tirar frases de um livro e destituí-las do contexto global pode tornar-se uma “tarefa” ingrata e complicada, cheia de pequenas armadilhas e alçapões que com o entusiasmo da leitura escapam a quem tentou retirar para si o que considera ser a síntese e o sumo da obra integral.
A obra de Roth que eu não conhecia, mas tive o prazer de começar a conhecer, é um romance ficcional sobre um homem que não tem nome, e da sua entrada na chamada 3ª idade (como odeio esta denominação, mas não passa de isso mesmo de uma denominação), das recordações da sua vida e da sua “luta” contra a inevitabilidade da morte e da famosa frase do Matrix: “Tudo que tem um Princípio tem um Fim”.
Actualmente na nossa sociedade tenta-se prolongar esses resquícios de vida (sim muitas vezes não passam disso mesmo: Resquícios, porque de vida propriamente dita têm pouco ou nada), quase para uma tentativa de imortalidade. Porquê!? Medo de morrer, do desconhecido, da “escuridão eterna”? De deixar os que nos são próximos, ou dos que nos são próximos não nos deixarem a nós? Aliviar a consciência dos profissionais de saúde que acham ser da sua obrigação não deixar os outros morrer? Opções tão válidas como qualquer outra...
Mas mais que as minhas palavras, são importantes as palavras de alguém que já chegou à barreira dos três quartos de século, e já que não existem vantagens na velhice, a não ser a “sabedoria” derivada da experiência deixo-vos dois caminhos:

Caminho 1) Comprar o livro Todo-o-Mundo de Philip Roth (Editora Dom Quixote)

Caminho 2) E lembrando-se sempre que palavras são sempre palavras, mesmo que fora do contexto global da obra integral, o meu humilde “apanhado” dessa mesma obra.

Façam a vossa escolha a vida (pelo menos até a morte chegar) é cheia delas.




“ Não podemos refazer a realidade–disse ao Pai.
– Temos de aceitá-la tal como ela vem.Aguentar firme e aceitá-la tal como ela vem.”


“(...) um paraíso com escassos quatro metros e meio de largo por doze metros metros de comprido disfarçado de joalharia à moda antiga – nem mais nem menos interessante do que qualquer dos outros. Mas afinal é a normalidade que torna tudo menos dilacerante, o registo reiterado do facto da morte que a tudo se sobrepõe.”


“(...) enquanto ele tinha perdido a batalha para preservar a uma masculinidade inexpugnável, com o tempo a fazer do seu corpo um armazém de mecanismos artificiais destinados a protelar o colapso. ”

“A profusão de estrelas dizia-lhe de forma inequívoca que estava condenado a morrer.”

“Preocupa-te com a extinção disse para consigo, quando tiveres setenta e cinco anos! O futuro distante será tempo suficiente para te angustiares com a catástrofe definitiva!”


“ – Uma coisa de cada vez – disse-lhe. Primeiro deixa-me morrer. Depois eu volto para te dar ânimo.”

“Perder a mamã e o papá era algo que tinha de aceitar.Nunca poderia aceitar perder-te a ti.”

“Ela tinha o dom de dar esperança aos doentes, tanta esperança que, em vez de fecharem os olhos para não ver o mundo, os abriam bem abertos para contemplar a sua presença vibrante e rejuvenesciam.”

“A religião era uma mentira que tinha reconhecido cedo na vida”

“Só havia os nossos corpos, nascidos, para viver e morrer nos termos decidido pelos corpos que tinham nascido e morrido antes de nós.”

“A mulher possui uma coisa que é imperecível. Porque, além da beleza e do valor que tem e do estatuto que confere, o diamante é imperecível. Um pedaço da terra que é imperecível, e um simples mortal usa-o no dedo!”

“Ao cair a tampa de madeira do caixão, a terra produziu o som que se entranha numa pessoa como nenhum outro.”

“Tinha assistido ao desaparecimento do seu pai do mundo centímetro a centímetro. Tinha sido obrigado a ver tudo até ao fim. Era como uma segunda morte não menos atroz que a primeira.”

“Tinha-se casado por três vezes, tinha tido amantes e filhos e um emprego interessante em que conhecera o sucesso, mas agora era como se tivesse pro missão fundamental na vida esquivar-se à morte e a decadência física fosse toda a sua história”

“Iam correr para o parque, onde eram só os dois, com as sombras e luz.”

“Agora estava sentado ao lado dela na cama e segurava-lhe a mão entre as suas e pensava: Quando somos novos, o que interessa é a parte de fora do corpo, o nosso aspecto exterior. Quando envelhecemos, o que interessa é o que está cá dentro, e deixamos de nos preocupar com a aparência.”

“Agora também ele era nada, nada senão um zero inerte que iradamente esperava a bênção de uma extinção absoluta.”


“(...)Oh, desculpe, desculpe.Odeio lágrimas.
– Todos nós as odiamos – disse-lhe ele –, mas nem por isso deixamos de chorar”

“Está enganado. Você não faz ideia. A dependência, o desespero, o isolamento, o pavor – tudo isso horrível e vergonhoso. As dores fazem-nos ter medo da nossa própria pessoa. Toda esta sensação de alteridade é pavorosa.”

“(..) mas nessa altura eram demasiado jovens e estavam demasiado zangados para compreender e agora eram demasiado velhos e estavam demasiado velhos para compreender.”

“Mas agora odiava-o e invejava-o, tinha uns ciúmes loucos dele, e em pensamento, quase se virava enfurecido contra ele porque a força de que Howie dera provas todo a vida não tinha sofrido o mínimo abalo.”

“ Mas no auge da irritação quase conseguia chegar ao ponto de acreditar que a boa saúde de Howie era responsável pela sua débil saúde, mesmo sabendo que isso não era verdade, mesmo não sendo totalmente desprovido da compreensão tolerante que uma pessoa civilizada tem do enigma da desigualdade e infortúnio.”

“De repente viu-se perdido no nada, no som das duas sílabas da palavra «nada» (...)”

“ (...) uma rapariga pura e ponderada, que tinha por único defeito uma generosidade ilimitada(...)”

“O que via era uma pedra, o peso denso, sepulcral, petrificado, que diz que a morte é a apenas a morte – nada mais”

“Tenho a certeza para um mentiroso esperto e persistente e manhoso como tu chega uma altura em que é a pessoa a quem mente, e não o mentiroso, que parece ter sérias limitações. Talvez nem penses que estás a mentir – pensas que se trata de acto de amabilidade destinado a poupar os sentimentos da tua pobre parceira assexuada. Talvez penses que as tuas mentiras são por natureza virtuosas, actos de generosidade para com a burra que te ama.”

“Quanto tempo consegue um homem passar a olhar para o oceano, mesmo que seja o oceano que ama desde a infância? Durante quanto tempo conseguia ele ficar a ver as ondas a avançar e a recuar(...)”

“ Mas quanto tempo pode um homem passar a lembrar-se do melhor dos tempo de rapaz?E a desfrutar do melhor da velhice? A não ser que o melhor da velhice fosse só aquilo – as saudades do melhor tempo de rapaz (...)”

“ (...) o sabor e o cheiro inebriavam-no ao ponto de ter vontade de arrancar um bocado de si mesmo com uma dentada para poder saborear a sua existência carnal.”

“A velhice é uma batalha, meu querido, se não é com isto é com aquilo. È uma batalha constante, e logo quando estás mais fraco e menos capaz de mobilizar a tua velha fibra de lutador.”

“ Faço terapia. Tomo medicamentos. Sinto-me um contentor de todas as drogas que possas imaginar.”

“Tivesse ele sabido do sofrimento do mortal de todos os homens e mulheres que por acaso tinha conhecido durante todos os anos de vida profissional, da história penosa de desgosto, sofrimento e estoicismo, de medo, pânico, isolamento e pavor de cada uma dessas pessoas(...).”

“A velhice não é uma batalha; a velhice é um massacre.”

“(...) que não é capaz de evitar a mais mortífera das armadilhas da doença prolongada, a distorção do carácter”

“(...) ao chegar à humilhante conclusão que agora estava reduzido, e não só fisicamente, a alguém que não queira ser, desatou a dar murros no peito, a bater ao ritmo da sua auto-recriminação.”

“(...) tinha vivido perto de três quartos de século, e o estilo de activo e produtivo tinha desaparecido. Já não tinha a postura viril do homem produtivo nem era capaz de germinar os prazeres masculinos, e tentava não sentir demasiado a falta deles.”

“Partir – precisamente a palavra que o tinha feito acordar com falta de ar e em pânico, resgatado com a vida ao abraço de um cadáver”

“Há sempre uma altura em que qualquer pessoa pensa que daqui a cem anos nenhum dos que estão vivos continuará neste mundo ­– a força imparável irá varrê-los a todos.”

“É porque a intensidade mais perturbadora da vida é a morte. É porque a morte é tão injusta. É porque depois de uma pessoa ter saboreado a vida, a morte nem sequer parece natural.”

“Deixou de existir, liberto do ser, entrando no nada sem sequer saber. Como desde sempre tinha receado.”

terça-feira, 22 de julho de 2008

O Eterno Marido




Melhores “momentos” de um pequeno romance de Fiódor Dostoiévski:


“São essas pessoas, são precisamente essas pessoas, que um minuto antes ainda não sabem se vão degolar ou não, que, ao pegarem na faca com as mãos trementes e ao sentirem os primeiros salpicos de sangue quente nos dedos, não só degolam como decapitam “redonda” a cabeça, como se exprimem os forçados. É esta a verdade”


“Sim, amava-me com raiva, que é o amor mais forte (...)”


“Pois é, a natureza não gosta de monstros e dá cabo deles com soluções “naturais”. O monstro mais monstruoso é o que tem sentimentos nobres: (...) A natureza, para o monstro não é uma mãe carinhosa, mas madrasta. A natureza dá à luz um monstro, mas em vez de ter pena dele, castiga-o...e é bem feito! Os abraços e as lágrimas de perdão de Cristo, no nosso século, custam caro até às pessoas decentes.”