terça-feira, 18 de novembro de 2008

No Mundo da Escrita Criativa, II


Entrou na sala e olhou para as caras que já lhe eram familiares. Desta vez não seria necessário recorrer a profissões imaginárias, se bem que em certos momentos estas pudessem ser úteis, para recordar algum nome que se tivesse perdido.
A professora falou das flores e desta vez o objectivo, seria fazer uma flor com colagens, à semelhança do que acontecia na escola primária. Após dez minutos frenéticos.
- Escrevam as quatro frases, para cada um destes tópicos. Dessas dezasseis escolham uma, escrevam-na na flor e leiam em voz alta.

As
flores são...

Há flores que são....

Com flores...

Quero que as flores....


Desta vez as pobres mentes racionalistas deixaram de se interrogar. Dando um pouco de paz, aos corpos que as carregavam todos os dias, sem excepção. A professora continuava a marcar o ritmo:
- Vamos fazer uma brainstorming de substantivos. Digam todos os que vierem à cabeça, sejam eles físicos ou não, não interessa. O importante é termos uma grande quantidade.

Cada um e à vez ia dizendo os que se lembrava, a lista começou a aumentar, até ficar com este aspecto:

- mesa - gotas - relógio - creme
- solidão - credo - janela - mar
- quarto - como é que é? - ventoinha
- rua
- pescada - cheiro - gago - horas
- bola do Poder - paixão - chá - noites
- flor - ódio - caneta - ranho
- cor - alegria - papel - dança
- olhos - óxido - música - parabólica
- sol - ácido - raio - vento
- lábios - lua - chuva - furacão
- água


- Escolham sete substantivos da lista e escrevam uma frase que comece:

Escrevi a palavra:

- Solidão e fiquei na dúvida se era uma bênção ou uma maldição;

- Riso e lembrei-me desta sala;

- Paixão e lembrei-me que ela é necessária na nossa vida;

- Ácido e lembrei-me que há palavras mais destrutivas que o Ácido;

- Furacão e vi uma tempestade a formar-se ao longe e atingir-me;

- Lábios e lembrei-me da suavidade;

- Ondas e vi o mar, o vento, a areia...

-Dessas sete escolham três e leiam em voz alta.

As vozes ora mais graves, ora mais agudas soaram à vez. Enchendo a sala de sons que iam formando palavras.

- Para o texto devem escolher uma delas e desenvolvê-la como quiserem. O objectivo é que a frase apareça, inteira ou desconstruída. Têm cinco minutos, a contar.

Desta vez não houve surpresa, mas o tempo continuava implacável e o som das canetas a riscarem o papel fez-se ouvir.

“A maldição que o silêncio é às vezes faz-me desesperar. Querer ter alguém com quem falar, conversar, interagir e não a ter. Que raiva sinto! O desejar e não ter, o querer e não poder.
Mas bastou um segundo para ver a outra face do espelho. Estou rodeado e o som atinge-me como uma tempestade violenta, imerge-me e sufoca-me, faz-me querer dizer CHEGA! BASTA! Calem-se por favor, quero estar só. Ou melhor escrever a palavra solidão e pensar no que ela se pode tornar.”

Todos os textos foram lidos em voz alta. Para ele continuaram a existir alguns, com uma musicalidade extremamente apurada e a troca de ideias fluiu naturalmente.

- Vamos ouvir uma música da Mariza. Dividam um folha em duas colunas, numa escrevam palavras coloridas, noutra palavras sem cor. A ideia é ouvirem a letra e irem enchendo as colunas, com palavras da música.

- “Há palavras que nos beijam

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(o nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

(de Alexandre O´neill)

As colunas iam-se enchendo, à medida que a melodia se repercutia nas paredes da sala, e nos ouvidos dos presentes.

Palavras coloridas
Beijam; Boca; Amor; Esperança; Poesia; Mar; Transportam; Amantes; Letra, Palavras
Palavras sem cor
Perde; Noite; Desgosto; Abandonado; Recusam; Silêncio; Morte

- Escolham uma palavra colorida e uma palavra sem cor. Escrevam duas frases, uma para cada.

A poesia é uma forma de expressão
A morte é fria

- Bem chegou a altura do intervalo, vamos aproveitar estes dez minutos. Vão até à rua e façam um exercício semelhante, substituam a música por palavras que leiam, oiçam ou vejam e tragam um quadro semelhante preenchido.

Desceram as estreitas escadas do prédio e desembocaram no largo Camões. Aí percorreram o espaço e as pessoas, ou simplesmente deixaram-se percorrer e o tempo passou rapidamente.


Palavras coloridas:
Clássica, Diesel, Milénio, Jazz, Rua, Norte, Arte, Livre, Pessoas, Beijinho, Diferentes, Verdade, Dancei, Comunicação, Descanso
Palavras sem cor:
Anos, Break, Nada, Dinheiro, Perdida, Frio, Roubar, Caixa, Estátua, Chão, Não me lembro, Pensar, Regras, Quebradas

- Muito bem, com estas palavras façam dois textos. Um em que usem apenas palavras coloridas e outro palavras sem cor. Têm dez minutos, e eu aviso-vos quando for altura de mudarem de texto.

O tempo não perdoava a mão ou a mente mais lenta. Tudo funcionava à lei do impulso e a tinta escorria e ganhava forma, preenchendo o papel.

Texto palavras sem cor

Apesar do dinheiro sentia-se perdido, olhava para o chão como se dele brotasse a solução dos seus problemas.
- Não me lembro em que momento isto me aconteceu. Mas ao recordar, cheguei à conclusão que as regras existem para ser quebradas.
Tinha roubado uma caixa, uma caixa cheia de dinheiro. Mas a consciência pesava como uma estátua de mármore e coração estava frio, gelado. Como aquela noite de Outono, em que cheirava a castanhas na Rua.

Texto palavras coloridas

O Jazz é um diesel que faz mover a imaginação
Dá-lhe Norte, tira-lhe o descanso
Movimenta-a livremente
Dá-lhe forma de comunicação.
As pessoas batem o pé, estalam os dedos
Seguindo o ritmo livre, em que a música
Muda as Ruas, como estas nos mudam a nós.


Textos voltaram a ser lidos. Sendo suposto tentar adivinhar se o texto, provinha da secção colorida ou sem cor. Por vezes enganos eram cometidos na avaliação e a boa disposição imperava.

- Vamos ouvir mais uma música, esta de Zeca Afonso. Para já quero que oiçam apenas.

- “Sete Fadas Me Fadaram

Sete fadas me fadaram
Sete irmãos me renegaram
Sete vacas me morreram
Outras sete me mataram
Sete setas desvendei
Sete laranjinhas de oiro
Sete piadas de agoiro
Sete coisas que eu cá sei

Sete cabras mancas
Sete bruxas velhas
Sete salamandras
Sete cegarregas
Sete foles sete feridas
Sete espadas sete dores
Sete morte sete vidas

Sete estrelas me ocultaram
Sete luas sete sóis
Sete sonhos me negaram
Aqui d´el rei é de mais
Sete setas desvendei
Sete laranjinhas de oiro
Sete piadas de agoiro
Sete coisas que eu cá sei

(de António Quadros)

- Tentem fazer algo parecido mas com um número à vossa escolha. Não interessa se rima ou não, apenas devem começar cada frase sempre com esse número.

Três minutos a contar
Três dedos a conversar
Três perguntas sem resposta
Três ondas sem dar à costa
Três guitarradas a soar
Três frases a destoar
Três mandalas por pintar
Três flores para recortar
Três dias sem luz
Três noites de escuridão
Três segundos de escravidão
Três pensamentos sobre o cuscuz
Três mistérios do escrever
Três respostas sobre o viver


- Para acabar só peço as duas pequenas tarefas. Escrevam uma frase que comece:

· Hoje das 19.30-22...

Ouvi falar de cor, sem cor de encontros imaginários e reais sem perder folhas.

E que neste post-it escrevam a vossa frase da aula, e a colem junto de todas as que já ali estão na parede.

“O Jazz é um diesel que faz mover a imaginação
Dá-lhe Norte, tira-lhe o descanso
Movimenta-a livremente
Dá-lhe forma de comunicação.”

2 comentários:

Ana disse...

Decididamente, corre na tua essência mais profunda de ser a escrita..a forma como escreves desperta sempre um sentimento..um bom sentimento...obg por partilhares o teu crescimento

MaB disse...

As palavras passam a unir-se quando lhes damos sentido. Mesmo que seja só para nós!

É bom ver-te brincar com elas, mais e mais. Vais ver que nunca mais te fartas!!

Ah - já me esquecia - parabéns. Mais uma vez!:)