segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Irrealidades


Acordou a meio da noite, com uma sensação de falta de ar. A respiração ofegante, o coração acelerado, a cabeça parecia que ia rebentar. Acendeu a luz do candeeiro que estava na sua mesa de cabeceira, olhou em volta, e o que viu deixou-o siderado.
O local onde estava não era o seu quarto, apenas a mobília, mas em vez das quatro paredes que esperava encontrar, viu-se no meio do vazio com a mobília suspensa no ar.
Esfregou os olhos freneticamente, beliscou a sua pele, mas nada se alterou. O pânico começou a dominá-lo, suores frios começaram a escorrer, pela sua testa e face, porém ao tentar passar o braço para limpar o suor, mordeu os lábios com tanta força para não gritar, que um fio de sangue começou a escorrer lentamente.
Esse grito de desespero morreu dentro de si, e começou a chorar. As lágrimas escorriam pela sua face sem poder ampara-las com as suas mãos, com os seus dedos, pois onde momentos antes havia pele, tendões, veias e sangue, agora apenas havia fumo.
Os seus dedos, e mãos mantinham a antiga forma, mas agora não passavam de fumo, um fumo suave, branco e aromático, que se entranhava no olfacto e inebriava os sentidos.
Tentou levantar-se, apesar do caos que reinava dentro de si. E como racionalista puro que era, tentou chamar-se de volta ao país da racionalidade.
-Calma, respira fundo. Isto não é real, tudo não passa de um pesadelo. Brevemente vais acordar, e verás que tudo voltou à normalidade (disse para si mesmo em voz alta e vibrante).
Pousou os pés no vazio, com um medo tremendo de ser absorvido por aquela massa que o rodeava. Mas estranhamente essa massa comportava-se fisicamente de um modo sólido, e assim conseguiu andar como se pisasse o soalho de madeira do seu quarto. Ao olhar para o espaço circundante, não encontrava pontos de referência, para além da sua mobília, e começou a andar ao acaso.
Nada fazia sentido, sentia-se cada vez mais perdido, mais desesperado, mais revoltado com toda aquela irrealidade. E a sua mente que era um mecanismo perfeito, de frieza, racionalidade e serenidade, começou estranhamente a ser afectada.
Os pés começaram a mover-se, sem a mente os comandar, o coração batia descompassadamente e deixou de pensar. Andou, andou até deixar de sentir sensibilidade nas pernas, frio ou calor, cansaço, fome ou sede, e o tempo perdeu o significado temporal do mundo dos homens, dos segundos, minutos, horas, dias, meses, anos.
Não soube durante quanto tempo andara, até voltar a si lentamente. E nunca como até ai sentira o seu ser, a sua essência, com tanta intensidade. Sentiu pela primeira vez que a sua mente já não o comandava, que já não era apenas um simples fantoche, um refém da sua mente, mas sim um ser iluminado. Olhou para as suas mãos e o fumo desapareceu, passou-as pela face e chorou com a pura alegria que o invadia.
A palavra irrealidade deixou de fazer sentido, misturou-se com a realidade, deu-lhe uma nova dimensão. Uma dimensão nunca antes sonhada ou sequer percepcionada, onde todos os sentidos se misturavam num único feixe de luz interior, fazendo do mundo, o local pelo qual aguardara toda a sua existência.

2 comentários:

Ana disse...

bem primaço..
agora consigo perceber pq andas tão desaparecido, ou melhor, andamos desencntrados...
tou a adorar a evolução, cada vez revela-se mais intensa e profunda..
continua..é sp um prazer ler..

Anónimo disse...

GRANDE ZÉ!!! És gajo para ser dos únicos escritores que terei o maior prazer de ser contemplado com a sua escrita.

Grande abraço