terça-feira, 11 de novembro de 2008

No Mundo da Escrita Criativa, I


Entrou na sala e sentiu um ambiente descontraído. O grupo era bastante heterogéneo, não havendo uma faixa etária dominante, antes várias faixas que criavam uma mescla entre a maturidade e a juventude.
A professora apresentou-se, falando da Mandala e de como esta seria importante, nos dez minutos que se seguiriam. O objectivo? Colori-la durante esse tempo, para deixar as preocupações do dia-a-dia de parte, relaxando as mentes menos descontraídas.
- Escolham uma das cores, com as quais pintaram a Mandala e escrevam quatro frases, para cada um destes tópicos. Dessas dezasseis escolham uma, escrevam-na na Mandala e leiam em voz alta.

O (cor escolhida) é...

Há (cor escolhida) que são....

Com (cor escolhida)...

Quero que (cor escolhida)....

Para as pobres mentes racionalistas estas pequenas tarefas, eram um pequeno contra-senso. Mas porque motivo estou a fazer isto, interrogavam-se. Sem contemplações, a professora ia debitando indicações:

- Agora cada um de vós, apresenta-se e escolhe uma profissão fícticia para os próximos minutos. De preferência fixem os nomes uns dos outros, se tal não for possível digam a profissão, quando se dirigirem a essa pessoa.

Passados curtos instantes, para além de dez pessoas comuns, existiam:

1 jardineiro
1 florista
1 cozinheira
1 ginasta
1 pianista
1 Chefe de Cozinha
2 bailarinas
1 Ilusionista
1 viajante

A risada e boa descontracção eram gerais, sendo o relaxamento o estado de espírito dominante.

- Temos aqui dez postais, a maior parte de quadros famosos. Gostaria que circulassem de mão em mão, e que escrevessem as primeiras palavras que vós viessem à cabeça, sobre cada um deles. O grupo impõe o ritmo, se estiverem a acumular postais estão a ser lentos; se os despacharem muito rapidamente, é porque estão demasiado acelerados.

Os postais foram circulando um a um, de mão em mão até darem a volta completa. Uma das pessoas foi escrevendo:

- O melhor de Klimt

- Dormia serena a dama cor-de-rosa

-
Estrelas no céu, iluminação na terra

- Três moinhos de vento, quem me dera ser como ele

- Istanbul, vermelho, azul, verde

- Venham cá que eu não vós faço mal...

- Lembra-me Miró, o “puto” artista

- Estrelas há muitas, pedras azuis também

- Vermelho na paisagem, beija-me amor

- Cores do mundo, traços de linearidade

- Já escreveram? Agora sublinhem palavras ou frases que vós despertem a atenção.

- Bem já todos sublinharam, não já? Então a partir de agora tem cinco minutos para fazerem um texto onde essas palavras apareçam.

A surpresa foi geral, mas o tempo era implacável. Triturava cada segundo sem remorsos, só se ouvindo o som das canetas a riscarem o papel freneticamente.

“Dormia serena, enquanto as estrelas no céu iluminavam a terra. Sonhava com o vento, gostava de ser como ele. Passar pelo globo terrestre, demorando-se um pouco mais quando se sentisse cansada.
Istanbul, Bucareste, Sófia... Europa, África, Américas, Oceânia e Ásia, queria passar por todo o globo, fazer 1,2,3..infinitos planisférios.
Ao mesmo tempo falar com as pessoas, venham ao pé de mim não vos faço mal, sou apenas o vento. Ver as pedras azuis, roxas, castanhas, amarelas, verdes. O vermelho na paisagem, as cores do mundo, traços de linearidade.
E no fim dizer beija-me Amor.”

Todos os textos foram lidos em voz alta. Havendo alguns excepcionais, pelo menos no entender dele. Palavras foram trocadas, ideias também e com esses momentos chegou o intervalo. Nesse intervalo enquanto a maioria das pessoas falavam umas com as outras, ele qual barata-tonta procurava uma folha sobre o bairro alto, onde se encontrava muita informação fragmentada. Infelizmente a busca revelou-se infrutífera, mas assim que a aula recomeçou a boa disposição voltou a invadi-lo rapidamente.

- Vamos fazer mais um pequeno exercício. Cada um rasga onze papéis e quando estes copos de plástico passarem à vossa frente, escrevem a primeira palavra que se lembrem relacionada com a que está escrita no copo. Deste modo e no final devem haver onze copos, cada um com onze papéis. Estes vão ser redistribuídos por todos, para que cada um fique com um papel de cada copo.

Os temas iam desde palavras compridas, curtas, passando por doces, dolorosas, acabando nas inventadas. Aqui fica um pequeno exemplo:


- Eu
- Tu
- Pena
- Azeitona
- Comprida
- Cáspite
- Água
- Sufocar
- Açúcar que derrete
- Sorriso
- Calipómia

- A partir de agora têm dez minutos para usar estas onze palavras num texto.

As canetas voltaram a ganhar vida, e o papel a gemer com o peso das mãos, que se agitavam velozmente. Parecia que estas tinham ganho uma vida própria, independente da mente que não fazia mais, que se deixar ir.

“Sufoco! Estou dentro de água. Não consigo sair. Estou perdido, tenho pena de mim! Pena? Ahahah, antes ódio por ter pena. Eu, tu, não tenhamos pena, antes ódio se não houver sorriso na Calipómia, que é como quem diz, a terra verde azeitona que habitamos.
Sinto uma cáspite comprida a enredar-me, estou perdido! Não! Estou salvo. Vou-me libertar do peso desta Calipómia que me oprime, que me esmaga, que me afasta do meu Eu.
Adeus!? Não! Até breve, para onde vou que é lado nenhum. O açúcar que se derrete, tornar-me-a mais doce também.”

Os novos textos voltaram a ser lidos à vez e as palavras foram ganhando voz e corpo ao sair de cada boca, que se abria e fechava numa sucessão ritmada e inconsciente.

- Bem, para terminar só peço mais duas pequenas tarefas. Que escrevam frases que comecem com forma:

Há dias em que...

- vivo
- sufoco
- rio
- pareço um robot
- sou mais eu
- mais irónico
- mais racional
- fantoche da mente
- alegre
- que me borrifo para os outros
- que quero fugir
- quero falar
- quero ouvir
- quero o silêncio
- quero o barulho

E que neste post-it escrevam a vossa frase da aula, e a colem junto de todas as que já ali estão na parede.

“Vermelho na paisagem, beija-me Amor.”

1 comentário:

MaB disse...

Quem é que te dá boas ideias, quem é?:P


(Fico muito contente que estejas a gostar tanto assim. A mim, cada vez me agrada mais vir aqui e ler-te!)