terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Rosamar


Choviam navalhas do céu, respirou fundo arqueando os membros e reuniu os seus homens. Tinha que os ouvir, antes de se fazer ao mar.
- As condições são péssimas, ondas de seis metros e ouvi pela rádio que estamos em alerta Laranja. Quero saber a vossa opinião.
Seguidamente falaram alguns membros da tripulação.

- Mestre, somos pescadores experientes. Respeitamos o mar, mas não o tememos!
- Trabalhamos juntos há muitos anos, sabemos que podemos confiar uns nos outros.
- O nosso barco não é uma casca de noz, estamos protegidos!
- Todos temos as contas para pagar e parados não ganhamos dinheiro!
Olhou à volta, viu caras determinadas e talhadas a pedra.
- É a nossa sina! Ir sem certezas de voltar, mas parados não sobrevivemos. Tenho a hipoteca da casa para pagar e uma família para sustentar! Temos de ir!
Os treze vestiram os oleados e dirigiram-se para o cais. O barco que aguardava, tinha uma envergadura de aço resistente, trinta metros de estabilidade que descansava os espíritos mais inquietos. Posicionaram-se nos seus lugares, largaram as amarras e partiram rumo à massa de escuridão, apenas rasgada pela luz dos relâmpagos e pela claridade da chuva. A buzina soou pelo triste porto que via partir os filhos, sem poder dar uma palavra de consolo.
Apesar da fúria dos elementos, do rugir do mar e do impacto das ondas, o barco foi deslizando com a confiança de ser o mais resistente, o mais forte, o mais corajoso. Os pescadores mantinham-se em estado de alerta e atarefados, sabiam que apesar de protegidos pela forte envergadura do progenitor, o mar merecia respeito. As redes foram desemaranhadas, bóias posicionadas, o convés desimpedido.
A quarenta quilómetros da costa, o mestre que ia ao leme deu o sinal para começarem a largar as redes, lentamente estas começaram a ser engolidas, pela massa de água que se agitava caótica. A noite foi clareando, deixando-lhes a esperança que as horas de trevas não passavam de uma recordação tenebrosa.
Subitamente um cabo ficou preso no fundo, funcionando como âncora. Uma primeira vaga atingiu o Rosamar impiedosamente, o barco empinou-se orgulhoso, pescadores desesperados gritavam e corriam, a tentar vestir os coletes de salvação. Lançava-se o primeiro pedido de socorro.
- Mayday Mayday, estamos a ser atingidos por uma tempestade, o barco está prestes a virar-se. Coordenadas…
Enquanto se lançava o pedido de SOS via rádio, uma segunda vaga abatia-se violentamente. O navio gemeu com o impacto e os pescadores começaram a cair no mar desamparados, apenas a força dos membros e dos coletes os mantinha à tona. Gritou-se para abandonar a embarcação, afinal já não havia salvação possível.
À terceira e última vaga fundiram-se dia e noite, e o último pedido desesperado de socorro perdeu-se. O barco num estrondo ensurdecedor virou-se completamente. O mestre na cabine de comandos foi arrastado para as profundezas, juntamente com os pescadores que se encontravam mais próximos do local, onde o Rosamar perdeu o seu orgulho e se vergou à vontade de um elemento maior.


Dedicado a todos os pescadores.

Baseado no naufrágio do Rosamar em cinco de Dezembro de 2008. A quarenta quilómetros da costa da Galiza, três pescadores morreram, cinco foram dados como desaparecidos e cinco foram resgatados.

2 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem mano, arrepiei-me

MaB disse...

Prémio Dardos à tua espera em: http://miamespia.blogspot.com/2008/12/dardos-o-primeiro-prmio.html