segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Cigarros & Egoísmos II

Chegou à rua onde ela vivia, e tocou à campainha. Ninguém atendeu, e decidiu esperar um pouco antes de tentar contacta-la, retirou um livro da mala, e começou a tentar ler para se distrair. Debaixo de um candeeiro que emanava uma luz amarelada, observou o movimento da rua, sempre a tentar vislumbra-la. Os minutos arrastavam-se, parecendo horas intermináveis, e por fim lá se decidiu ligar-lhe. Retirou o telemóvel do bolso esquerdo das calças, digitou o número e aguardou que chamasse.
- Serviço de voice mail, o número que contactou não está disponível.
- Merda…com tanta altura para falhar o telemóvel, tinha logo que ser agora.
Ainda tentou mais umas vezes, como se existisse solução, para falha de rede ou de bateria, mas percebeu que só lhe restava esperar que ela aparecesse. Intimamente marcou uma “dead line” para aguardar, pois é desagradável estar na rua à espera sem certezas que a outra pessoa venha a aparecer, e com o risco de fecharem os transportes públicos.
Quando o tempo se escoava, e ele estava quase decidido a ir embora, ela lá apareceu, e com um sorriso constrangido disse:
-Sorry, desde as cinco da tarde que não tenho bateria… e não conseguia falar com ninguém.
- Pois deu para reparar…respondeu ele com um sorriso semi-irónico.Tive quase para me ir embora já não tinha a certeza que viesses.
- Mas tínhamos combinado. Claro que vinha! Porque te passou essa ideia pela cabeça?
- Não sei. A verdade é que passou…diz lá, mistérios!? (sorriso)
Acabaram por subir a escada e entrar no apartamento. Ligou as luzes do corredor, dirigiu-se à sala e pôs o telemóvel a carregar, enquanto ele pousava a mochila no chão e tirava uma garrafa de Martini. Sorriu e disse:
- Desta vez, não falhei. Sempre te trouxe algo para beber-mos.
- Estou a ver que não (sorrisos). Olha tenho de mandar umas mensagens, pois tinha combinado com duas amigas minhas, mas como faltou a bateria…
- À vontade, vou preparar umas bebidas.
Entrou na cozinha, dirigiu-se ao frigorífico, abriu o congelador e retirou gelo. Pegou nuns copos, cortou um pouco de casca de limão, e para além de três pedras de gelo, verteu o líquido acastanhado, e ouviu o som do gelo a quebrar com a diferença de temperatura. Voltou à sala, onde ela ainda teclava freneticamente, para tentar resolver os assuntos pendentes, criados pela falta de bateria, e passou-lhe um copo para a mão. Sentou-se, começou a beber e sorriu ao vê-la tão acelerada.
- Olha, ambas adormeceram…que chato, logo hoje é que me tinha de acontecer isto.
- Regra geral é assim, quando se precisa mais, é que certas coisas costumam falhar.
- Pois, acho que tens razão.Olha tenho de ir trocar de roupa, mas é num instantinho.
- Não percebo. Não tás bem assim? Pareces-me com uma roupa normalíssima (sorriu).
- Opá, vocês gajos não percebem nada disto, que coisa.
- Ok, ok…vai lá não te demores é muito tempo, que breve o metro fecha.
- Não te preocupes, sou rápida.
Saiu da sala e lá foi trocar, de roupa. Enquanto ele esperava na sala, com os olhos semi-cerrados, a saborear cada gota que sorvia do copo. Menos de dez minutos passaram, e surpresa das surpresas, não é que ela estava de volta já com outra roupa e pronta a sair de casa?
Dirigiram-se ao metro, entraram naquela boca subterrânea e a máquina de bilhetes automáticos foi o próximo destino, uma vez que ela tinha que carregar o passe. Ele foi mais rápido, a tirar dois euros dos bolsos, colocou-os na ranhura e sorriu ao dizer:
- Ficas-me a dever duas imperiais…
O metro vinha a chegar, correram pela estação e pelas escadas, conseguindo entrar ao último BIP BIP BIP. O metro partiu com o som estridente, habitual, e sentaram-se, aguardando a estação de destino.
- Próxima estação Baixa-Chiado (avisava a voz monocórdica, da senhora que empresta voz aos avisos sonoros do metro).
Saíram, e quando se dirigiam para a saída que os levava ao Bairro Alto, repararam que estava fechada.
- Bem parece que temos de sair para o lado da baixa, e dar a volta.
- Sim...que chato, não há outra hipótese.
- Deixa lá, a noite não está assim tão desagradável, e esta zona da cidade é bonita.
Deram a volta e subiram pela Rua Garret que leva dos armazéns do Chiado até ao largo Luís de Camões, em ritmo de passeio. Pararam perto da Brasileira, junto a uma caixa Multibanco onde ele levantou dinheiro e seguiram para o Bairro Alto, pela rua do Norte. Foram subindo a rua, e à medida que se aproximavam dos Lábios de Vinho, a concentração de pessoas ia aumentando, até que se tornava difícil furar, pelo meio da pequena multidão. Com um pequeno esforço lá conseguiram passar, e sentaram-se nuns degraus de pedra, que tinham uma altura perfeita para estarem sentados, sem cansarem as pernas.
Olharam brevemente um para o outro, e ficou sub-entendido que esse seria o local para passarem a noite, onde os seus companheiros seriam cigarros, imperiais, e eles. A noite decorreu sem darem por isso, a conversa era fácil e interessante, os cigarros iam entrando em fase de suicídio, mas eram suicídios românticos, pois as mortes sucediam-se aos pares, e as únicas deslocações que faziam era em movimento pendular entre os Lábios de Vinho para irem buscar imperiais, e as escadas de pedra para se sentarem.
Os cigarros acabaram, e voltaram a focar realmente a sua atenção na multidão. Repararam que ela diminuíra consideravelmente, e olharam para o relógio.
- Já são três...passou mesmo depressa esta noite.
- Sim, é verdade, olha vamos ali que preciso de comprar tabaco.
- Óptimo, e eu preciso de comprar mais uma imperial, queres uma?
- Agora não. Já estou um bocadinho tocada...
- Míudas não sabem beber (sorrisos). Tou a brincar, afinal que jantaste?
- Umas cenouras e uns brócolos, não te esqueças que tive a trabalhar, e quase não tive tempo para jantar.
- Ok, é verdade. Mas não podes fazer isso, antes de virmos para aqui fazer uma noite destas.
Entraram dentro do bar, ele dirigiu-se ao balcão onde pediu uma imperial, e para desbloquearem a máquina do tabaco. Voltou para junto dela, que já estava a colocar as moedas numa das muitas máquinas da morte, espalhadas pelo país, e colocou ele mesmo a última moeda, a sua contribuição para os pequenos cilindros de morte adiada. Sentaram-se numa mesa e acenderam os dois últimos cigarros da noite numa vela, fumaram calmamente e quando acabaram dirigiram-se para a saída. Dali ambos sabiam que o seu destino era casa, por isso desceram para o largo Camões onde apanharam um táxi, que os levasse ao destino.
A viagem decorreu calmamente, e em duas fases distintas. A primeira onde todos iam silenciosos, e a segunda em que se estabeleceu um dialogo entre o taxista e ele, uma vez que ela continuava calada, a lutar contra a mal-disposição que a invadia.
O táxi deixou-os no seu destino, e ela revelou-lhe então que não se sentia muito bem disposta. Dirigiram-se para casa, e quando entraram ela foi-se deitar no sofá da sala.
- Se fosse a ti não faria isso, acho que é melhor sentares-te.
- Tens razão (enquanto ela respondia, ele adivinhando o possível desenlace, dirigiu-se para a cozinha onde pôs água a ferver para um chá, de cidreira e limão. Para além de preparar mais uma pequena dose de Martini para si).
- Olha vou vestir o pijama.
- Tá bem vai lá, e continuou a vigiar o pequeno fervedor que estava ao lume.
Ela saiu do quarto e dirigiu-se para a casa de banho, muito irritada e orgulhosa onde lhe disse:
- Não te quero aqui, vai-te embora.
Interiormente não estava para discutir com ela, decidiu dar-lhe dez minutos para se recompor, e para além disso o chá não estava pronto. Durante esse tempo colocou a cama a jeito (abriu os lençóis e colocou múltiplas almofadas para ela não ficar totalmente deitada). Os minutos passaram, e ao não obter resposta foi ter com ela. Assim que ele entrou, ela diz-lhe:
- Saí daqui estúpido, não vês que fiquei mal-disposta assim que entraste!?
- Desculpa lá...mas precisas de ajuda e por isso podes praguejar o que quiseres, mas não saio daqui enquanto não ficares bem (isto foi dito, enquanto se dirigia para ela, e a tentava colocar em frente à sanita, para vomitar).
Levou-lhe o chá à boca, e instantaneamente ela começou a vomitar. Felizmente não durou muito o martírio, e assim que teve a certeza que ela já estava bem, pegou-lhe ao colo e levou-a para a cama. Deitou-a melhor que conseguiu, e ficou de vigília para qualquer coisa que ela precisasse.
Antes de adormecer sorriu, pois sentiu o privilégio de ser o amigo egoísta, o amigo que a acompanhou durante aquelas horas.

2 comentários:

Anónimo disse...

Zézinho andas-te a deitar tarde zezinho!!! EHEHEH tá muito bom, foi a melhor das atitudes..

Abraço

LOL cenouras e bróculos :S ninguem come isso e vai pra bubadeira

Susana disse...

"os cigarros iam entrando em fase de suicídio, mas eram suicídios românticos, pois as mortes sucediam-se aos pares" - hehe, muito bom. x)

P.S.- Aposto que não sabias que há uma superstição que diz que sempre que alguém acende um cigarro numa vela, morre um homem no mar. (Será que se bateres palmas ele volta a viver? xP)