segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Actos de Adoração


São sete os contos, que compõem este livro de Yukio Mishima, escritos em diferentes fases da sua vida.
Entre eles Fontes à chuva, onde o autor retrata a instabilidade, falta de confiança e o egoísmo que muitas vezes caracterizam a juventude, num pequeno arrufo entre um casal;
Pão de Passas, descrição de um grupo de jovens, entre os quais Jack (personagem central) que se retraí perante o mundo e si próprio;
Espada, retrato de um ambiente de um colégio onde se pratica kendo (esgrima japonesa), onde Jiro é a personagem que serve de fio condutor à história;
Mar e Pôr do Sol, pequeno conto onde Mishima rejeita a civilização ocidental ao mesmo tempo sente uma nostálgica admiração pelos seus empreendimentos;
Cigarro, exame cuidado de uma juventude livresca, no limiar da sexualidade e na procura do amor fora da família;
Martírio, tem afinidades com Cigarro, mas é mais imaginativo e certamente mais enigmático;
Actos de Adoração, apesar da falta de atractivos das duas personagens centrais, é uma composição bem estruturada e organizada, onde existe uma compassiva identificação das diferentes formas pelas quais os seres humanos satisfazem as necessidades emocionais dos outros.


Pão de Passas

“Alguém, algures, havia atado a escuridão num embrulho, pensou ele, enquanto prosseguia: o saco da escuridão tinha sido atado na boca encerrando dentro dele uma porção de sacos mais pequenos.”

“(...) a urdir o caminho através das fendas entre as partículas de que a escuridão era composta.”

“Para curar o mundo da sua estupidez, a primeira condição era um processo de purificação por meio da estupidez (...)”

“Quanto à inexpressividade da vida e à estupidez dos seres humanos concordava, em teoria, com os outros, mas ao contrário deles, tinha feito todos os possíveis para construir uma armação de músculos para combater as asas do desespero que acabara por ficar adormecido; adormecido naquela escuridão de força cega, que é aquilo em que os músculos essencialmente consistem.”

“(...) era a sua natureza não transparente. Sempre que se colocava na sua frente obstruía-lhe a visão do mundo, escurecendo com o seu corpo almiscarado e suado a pureza cristalina que ele se esforçava tanto por manter.

“Haveria alguma razão para que os dados não fossem redondos? Um único dado redondo exibindo cada número em série, rapidamente, de forma a causar indecisão e impedir a consumação do jogo...”

Espada

“ (...) O mais puro momento de fantasia dirigida à satisfação dos seus desejos, um interesse hedonístico na presa fraca diante dos seus olhos, um prazer quase lascivo na sua própria força tomaram conta dele…

“Era um prazer animalesco, voraz, que não pode ser totalmente vivido quando só, nem saboreado sem pressas quando se está face a face com outro homem.”

“A juventude surgia ao ataque, cortês mas também brutal, enquanto a velhice aguardava com um sorriso nos lábios, confiante e sem agitação. A cortesia sem agressividade era desagradável num jovem, menos aceitável ainda que a violência sem cortesia.”

“A perfeição do outro homem seria por certo uma falsa fachada, uma obra de prestidigitação; no seu mundo nada poderia por certo ser tão perfeito.”

“A verdade era algo demasiado ofuscante para ser olhada de frente. E, contudo, uma vez chegada ao nosso campo de visão, podia ver-se pedaços de luz por todo o lado: as imagens da virtude.”

“A seu ver só havia uma alternativa: ser forte e íntegro ou cometer suicídio.Quando um colega da sua própria turma se matou, Jiro aprovou o acto em si, contudo, sentiu pena por não ter sido o suicídio do homem forte que ele sempre havia tido em mente, mas o suicídio de um fraco de corpo e de espírito.”

”Numa época peculiar, uma época em que as pessoas se dedicavam a uma coisa e eram capazes de resistir ao fascínio daquilo que é vulgar, em que tinham objectivos pouco claros e pouco complicados.”

“Recusava com desprezo todo o comportamento diplomático, refugiando-se na fortaleza de cristal da sua própria pureza e afastando-se abruptamente da realidade e do sofrimento dos outros.”

“(...) relações pessoais no interior dos clubes desportivos, apesar do grande atrito que pudessem envolver, eram, pelo menos, mais aceitáveis do que as relações exteriores.”

“Aos olhos de Mibu, o mundo dos adultos era irremediavelmente repugnante e a ideia de que, mais cedo ou mais tarde, também Jiro seria conspurcado por ele, horrorizava-o.”

“(...) assim pensava Mibu com uma confiança excitante – era a de que a felicidade não era uma preocupação apropriada para um homem. Esta era, seguramente, a origem da sua auréola peculiar...”

“(...) uma nova sensação de perfeição que se atinge uma que se leve o esforço até aos seus limites.”

Cigarro

“Como Baudelaire escreveu num poema: «A minha juventude não foi mais que uma tempestade de sombras, atravessada aqui além por raios de luz.»”

“Porque motivo o acto de crescer e as nossas lembranças do próprio crescimento têm que ser tão trágicas? Ainda não encontrei resposta. Duvido que alguém a tenha encontrado.”

“Não, a meu ver, a adolescência tem as suas próprias certezas, as quais se procuram em vão em qualquer outra parte e às quais o adolescente se esforça por dar um nome.”

“Um dia, porém, ele encontra um nome para elas:«crescimento»(…) Todavia no momento em que as identifica, as certezas transformam-se em algo diferente daquilo que eram quando não tinham um nome. Pior ainda, ele torna-se mesmo incapaz de apreender este facto. Resumindo, torna-se adulto…”

“Há um cofre fechado ao cuidado da infância; o adolescente tenta abri-lo, de uma forma ou de outra. O cofre é aberto: dentro dele não existe nada. Então ele chega a uma conclusão: o cofre do tesouro está sempre assim,vazio.(…)Contudo será que o cofre estava mesmo vazio? Não haveria dentro dele essencial, algo invisível, que tivesse escapado no momento que foi aberto?”

“Estávamos condenados a passar a maior parte das horas do dia na escola - uma instituição estúpida que nos obrigava a seleccionar alguns amigos de entre doze rapazes predeterminados da mesma idade.”

“(Eu e um amigo da classe B combinámos entre nós ver quanto tempo demorava um certo professor de Química a dizer a sua piada, depois de ter iniciado a aula.Na minha classe demorou 25 minutos. Na classe dele a piada saiu às onze e quarenta e cinco minutos, o que dava exactamente o mesmo tempo.) O que deveria eu aprender neste tipo de organização?”

“Pior ainda, os adultos exigiam que tudo o que nós absorvêssemos dentro daqueles muros fosse proveitoso.”

“O «estudante-modelo» é, de facto, uma das fraudes perfeitas de qualquer domínio.”

“Raramente liam livros e quase pareciam orgulhosos da sua extraordinária ignorância.”

“Eles eram os rebentos de uma certa geração de homens: homens que foram bem sucedidos em subjugar grandes partes da humanidade, não através da intimidação ou da violência, mas do simples poder paralisador da inacção.”

“«a cidade efémera» (…). Sim, efémera era a palavra certa, decidi: antes que alguém percebesse, mesmo as pessoas que lá moravam – as ruas de hoje não eram as de amanhã, nem as de amanhã seriam as do dia seguinte.”

“(…) o desejo inexplicável e desesperado de deixar que a sua resposta decidisse, de certa forma, de uma vez para sempre, o modo como iria viver a minha vida desse momento em diante.”

Martírio


“Equipados por volta dos treze, catorze, com uma insensibilidade e uma arrogância de espírito digna de muitos adultos.”

“O jovem que se esforçava por manter a sua personalidade é respeitado pelos companheiros;o rapaz que tentar fazer o mesmo é perseguido pelos outros rapazes, sendo sua obrigação tornar-se algo diferente assim que poder.”

Acto de Adoração


“De acordo com a teoria clássica de Robert Borton, existem quatro tipos de humores no corpo humano: paixão, serenidade, cólera e melancolia.”

“(…) segundo Borton, a profissão de universitário e erudito é, por natureza, das mais instáveis; quem procura tornar-se um letrado proeminente e dominar a fundo toda a ordem de conhecimentos está eventualmente destinado a perder saúde, riqueza a própria vida.”

“Existe um trecho no livro Conselhos para Actores que diz, «procurar carregar tudo sozinho, ignorando as outras pessoas envolvidas é depreciativamente classificado como percurso solitário».(…) Afinal, a sua assistência aos outros deve ser sempre adaptada em função de cada situação particular.”

“(…) somente aconteciam a uma pessoa as coisas que lhe fossem apropriadas.”

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